sábado, 9 de junho de 2012

Ontem, depois de uma aula sobre Realismo lembrei-me de um texto que escrevi em 2008, época do centenário de morte de Machado de Assis. Foi algo que gostei muito de ter escrito e, após a discussão de ontem, durante a aula, decidi publicá-lo aqui. Sei que se eu fizer uma leitura rigorosa os defeitos que não enxerguei na época de de sua produção me farão perder o gostinho da lembrança que ele me traz. Por isso, publico somente com a última alteração daquela época:


          AULA

Outro dia pedi para que alguns alunos definissem Machado de Assis em uma palavra. Logo um deles gritou:
- Imortal (tinha ouvido em alguma matéria televisiva)
Achei perfeita tal definição (sempre o considerei assim), contudo outras crianças discordaram:
-Professora, Helena É boba! Como pode um homem que morreu há quase de cem anos ser imortal?
Helena recuou, não sabia explicar, não entedia o porquê da própria resposta.
Considerei uma pergunta fantástica, era o que eu queria; o que precisava para demonstrar àquelas crianças que a vida daqueles que captam a essência da existência humana e a materializa em forma de arte não chega ao fim quando o corpo deixa de respirar. Como se os vermes que roem a carne destes Mestres fossem designados a  uma missão especial: transformar a decomposição em húmus indispensáveis à compreensão do mundo, ou seja, a vida deles mistura-se com sua arte, sendo como esta, imortal. Queria que eles soubessem (e algum dia sentissem) que uma das funções da arte, possibilitar ao homem a capacidade de conhecer e mudar o mundo, é obtida através da captação do artista, antena das necessidades humanas.
Eu tinha esta convicção, compreendia a importância do nosso Bruxo (que mirificamente mesclou crítica, magia ironia e audácia) para compreensão de como o mundo pode ser um espaço de belchior tanto quanto um espaço infinito e azul, com o sol por cima. Mas como demonstrar isso para cérebros “inocentes”, que deveriam ser iniciados em literatura?
Devo ter refletido alguns segundos (turma queria uma explicação). Sabia que uma resposta convincentes tornariam alguns deles assíduo leitores Machadianos (e de outros mestres), do contrário todos, talvez, perdessem o interesse, a curiosidade e se tornassem criaturas eternamente presas a um espaço de belchior.
Tínhamos lido, na aula anterior, Um apólogo (lembrei-me dos olhos satisfeitos  da turma ao ler e ouvir a discussão entre a linha e a agulha). Resolvi responder a pergunta do Bento (era esse o nome do menino que questionara a imortalidade Machadiana) usando exemplo do texto que tanto havia gostado. Então olhei para eles e comecei a falar:
- Todos nós precisamos de agulha e de linha (lembram daquele texto?). Toda agulha é agulha, toda linha é linha. Mas nenhuma agulha teria utilidade sem linha e esta perderia sua serventia caso não existissem agulhas. Assim, agulha seria apenas agulha e linha somente linha! Então andaríamos nus ou com roupas mal coladas, mal organizadas, pouco seguras.
Os olhinhos deles brilhavam, queriam saber em que daria aquela conversa.
 - Mas linhas e agulhas só são úteis quando conduzidos por competentes costureiros. Assim é a vida, há o mundo, há os homens e àqueles que conseguem captar a essência do mundo e dos homens e transformar em textos, são os escritores. Como o costureiro produz a roupa para nosso corpo o escritor a produz pra nossa alma. E Machado de Assis é um perfeito escritor-costureiro, teceu inúmeros belos textos que sempre nos trará boas idéias - como as dele. E cada vez que alguém ler uma palavra de sua extensa produção literária ouvirá seus pensamentos manifestar em cada letra. E por isso que nosso Machado é importante e imortal, porque suas idéias não morrerão jamais. E para ouvi-lo vamos ler, porque há coisas que só se entende lendo.