AULA
Outro dia
pedi para que alguns alunos definissem Machado de Assis em uma palavra. Logo um
deles gritou:
- Imortal (tinha
ouvido em alguma matéria televisiva)
Achei
perfeita tal definição (sempre o considerei assim), contudo outras crianças discordaram:
-Professora,
Helena É boba! Como pode um homem que morreu há quase de cem anos ser imortal?
Helena
recuou, não sabia explicar, não entedia o porquê da própria resposta.
Considerei
uma pergunta fantástica, era o que eu queria; o que precisava para demonstrar
àquelas crianças que a vida daqueles que captam a essência da existência humana
e a materializa em forma de arte não chega ao fim quando o corpo deixa de
respirar. Como se os vermes que roem a carne destes Mestres fossem designados
a uma missão especial: transformar a
decomposição em húmus indispensáveis à compreensão do mundo, ou seja, a vida
deles mistura-se com sua arte, sendo como esta, imortal. Queria que eles
soubessem (e algum dia sentissem) que uma das funções da arte, possibilitar ao
homem a capacidade de conhecer e mudar o mundo, é obtida através da captação do
artista, antena das necessidades humanas.
Eu tinha esta
convicção, compreendia a importância do nosso Bruxo (que mirificamente mesclou
crítica, magia ironia e audácia) para compreensão de como o mundo pode ser um espaço de belchior tanto quanto um
espaço infinito e azul, com o sol por
cima. Mas como demonstrar isso para cérebros “inocentes”, que deveriam ser
iniciados em literatura?
Devo ter
refletido alguns segundos (turma queria uma explicação). Sabia que uma resposta
convincentes tornariam alguns deles assíduo leitores Machadianos (e de outros
mestres), do contrário todos, talvez, perdessem o interesse, a curiosidade e se
tornassem criaturas eternamente presas a um espaço de belchior.
Tínhamos
lido, na aula anterior, Um apólogo (lembrei-me
dos olhos satisfeitos da turma ao ler e
ouvir a discussão entre a linha e a agulha). Resolvi responder a pergunta do
Bento (era esse o nome do menino que questionara a imortalidade Machadiana)
usando exemplo do texto que tanto havia gostado. Então olhei para eles e
comecei a falar:
- Todos nós precisamos
de agulha e de linha (lembram daquele texto?). Toda agulha é agulha, toda linha
é linha. Mas nenhuma agulha teria utilidade sem linha e esta perderia sua
serventia caso não existissem agulhas. Assim, agulha seria apenas agulha e
linha somente linha! Então andaríamos nus ou com roupas mal coladas, mal
organizadas, pouco seguras.
Os olhinhos
deles brilhavam, queriam saber em que daria aquela conversa.
- Mas linhas e agulhas só são úteis quando
conduzidos por competentes costureiros. Assim é a vida, há o mundo, há os
homens e àqueles que conseguem captar a essência do mundo e dos homens e
transformar em textos, são os escritores. Como o costureiro produz a roupa para
nosso corpo o escritor a produz pra nossa alma. E Machado de Assis é um
perfeito escritor-costureiro, teceu inúmeros belos textos que sempre nos trará
boas idéias - como as dele. E cada vez que alguém ler uma palavra de sua extensa
produção literária ouvirá seus pensamentos manifestar em cada letra. E por isso
que nosso Machado é importante e imortal, porque suas idéias não morrerão
jamais. E para ouvi-lo vamos ler, porque há coisas que só se entende lendo.