sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

CURRÍCULO

Não tenho corpo de modelo
Nem seios de escultura
Não tenho nariz, bunda, boca e pernas
de porcelana.

Não nasci flor
Não cresci boneca
Nem fui transformada em princesa.

Meu canto
não é de sereia.

 Brinco com versos
Transformo minha lágrima e meu riso
em percurso.

Sou mulher
num mundo cheio de espinhos.

Ás vezes sou luva,
Outras beija-flor.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014


“Quando ela chegou a este país, seu corpo já havia parado de crescer, seus ossos já haviam recebido sedimentos antípodas suficientes para o fim de sua vida, seu cabelo outrora flamejante a luz do sol meridional agora parecia apagado e empoeirado no novo hemisfério, e ela tinha trinta anos [...]”- trecho inicial de Rumo a outro verão, de Janet Frame. Um livro que guarda todas as características que me encantam num texto literário: Poesia, criatividade e ironia; uma obra que me ganhou desde o primeiro parágrafo. Daí em diante a conquista foi somente se solidificando.
Ela é Grace Cleave uma escritora, assim como Frame, neozelandesa que vive na Inglaterra, protagonista e também narradora do romance ( o texto começa sendo narrado em terceira pessoa, mas também é narrado em primeira). Trata-se de uma leitura inquietante, exige a atenção máxima do leitor, ao mesmo tempo em que o presenteia com belíssimos trechos, observações singulares: “Deslizei pela alta pilha de folhas velhas [...] até descobrir as folhas descobertas de qualquer ano ou de ano nenhum; não havia mais folhas; haviam se tornado terra” ou “ [...] se viu no meio de uma paisagem em que todo tipo de vida havia sido arrancado; grama encharcada; pequena saliência de neve preta; neve suja. As árvores estavam arrasadas e cinzentas como se a tempestade de neve, passando como uma praga de gafanhotos, houvesse devorado a vida delas.”, entre tantas outras, ao gosto de cada leitor. 
É a “voz” de Grace que nos conduz a uma viagem histórica, geográfica, cultural, temporal e, sobretudo, interior. Por meio de seus sentimentos, lembranças e reflexões nos vemos, ao longo das páginas, como um observador da própria imagem num lago em tarde de fim de chuva. Cleave sente-se um pássaro migratório: “ vocês acham que sou Grace Cleave visitando-os no fim de semana, mas na verdade, sou um pássaro migratório” . Esta é a metáfora da solidão, da liberdade e do desejo constante que move o ser humano a sempre buscar “ outro verão”. E, através dela , Frame construiu um dos personagens que melhor traduz a angustia e a solidão humana que já encontrei.