sábado, 26 de setembro de 2020


 LENDO CONFREIRAS

O canto da borboleta de Rita Queiroz (Penalux, 2018)

Para Octávio Paz “a poesia é um caracol onde ressoa a música do mundo”. A poesia de Rita Queiroz capta as emoções do mundo e a transforma em ritmo, alento, canto. Trata-se de uma poeta que transita pela história da literatura e da mitologia para fazer ecoar sua poesia: “Risos e lágrimas se amalgamam/ No paraíso de Dante e Beatriz/ Na beleza cruel do palhaço/ Paisagem diluída nas recordações de outono”, “Assisto a tudo Embriagada por Baco”.

Imagens fortes e belas metáforas marcam o ritmo deste canto. São poemas que convidam o leitor a refletir metamorfose da borboleta, metáfora da própria vida. E a borboleta também representa o despertar da poeta para a escrita: “Na terceira margem está o trilho/ E o canto plural das andorinhas/ Na bagagem, pedaços de esperança/ Reescrita inconfessável da borboleta.”

O amor e a passagem do tempo são notas marcantes d’O canto da borboleta. No poema (in)certezas, por exemplo, o amor-paixão transborda e a dor leva ao questionamento: “Oh! Afrodite e Zeus/ Por que deixastes Cupido me flechar?/ E agora, que rumo tomar?/ Pegar um táxi para a estação lunar?/ Ou me desaguar no horizonte/ sem cais para me aportar? ” O amor inquieta e alimenta o sujeito lírico que ora canta sua dor, ora apenas confessa suas memórias: “Meu amor em digitais/ Se tatua na tua retina/ Nas filigranas de pretéritos mais-que-perfeitos”.

A passagem do tempo ganha imagens que “perfuram a alma e rasgam o ventre” também do leitor: Pedaços de eternidade/ Habitam o porta-retratos/ Decifram minha incompletude/Prenhe de esquecimento”. Seja pela consciência dolorosa da fugacidade da vida ou da tentativa frustrada de eternizar momentos, o sujeito poético se apropria da escrita e nos presenteia com versos belíssimos:

“Um sopro divino rompe o silêncio

                        [ao som de violinos

No desfiar eterno do rosário

Sorrisos fecundam a alma

E as nesgas de lembranças flutuam

                        [por entre os cactos”

A poesia, como é definida no poema, recordações de outono é uma “Oração que cala o abismo”. A poética da autora transita pelos abismos para tentar compreender seus eus e com “o olhar preso no carrossel encantado/ Implode o descompasso e ressurge na brisa apaixonante do verão.” Assim, a poesia, que nasce dos abismos, é o canto que afaga a alma.   A leitura dos poemas de Rita Queiroz nos faz atravessar nossos próprios abismos e acalenta alma.

                                                                                                         Érica Azevedo

domingo, 14 de janeiro de 2018

Lampadário reúne contos de quatro décadas de produção literária de Gláucia Lemos, selecionados pela autora. Nas páginas desta antologia encontramos narrativas habilmente tecidas pela imprevisibilidade que, entre outros aspectos, conduz o leitor para um caminho desconhecido e/ou mágico.  A escritora organiza seus textos de modo que as informações são reveladas (pelo narrador ou personagens) aos poucos, como uma excelente jogadora cujo tabuleiro é a linguagem, sem preocupação com a lógica da realidade, exigindo o máximo de atenção do leitor.
As narrativas da autora de Todas as águas (2015) não somente  vencem por nocaute, como diria Cortázar, mas também socam-nos o estômago em alguns momentos e afagam-nos em tantos outros.  São textos densos que prendem a atenção do leitor e os presenteiam com intrigantes histórias e belas metáforas.
E a força das figuras femininas criadas pela escritora baiana?  São personagens que sabem suportar as dores e os infortúnios de seus destinos. Aliás, mulheres que tomam para si as rédeas de suas vidas, sejam por meio da vingança, da busca por seus amores ou da própria morte. Não há como esquecer a atitude de Lina em “lampadários do céu”: “ [...] a mulher levantou o braço, e, quase sem esforço, os pés apoiados nos dedos dobrados, apanhou a estrela mais próxima, de luz intensa como a de um lampadário. Soprou-a com força[...] E,  assim, foi soprando uma a uma, todas as estrelas do céu e as apagando.” (p.46-47). Raquel, em “as esmeraldas”, que inicialmente parece não ter força para ceder à exploração do marido, surpreende-nos ao escolher pagar um alto preço pelo que acreditava ser sua dignidade: “Fez um gesto de desolação, mas de repente ergueu a mão direita, retirou um dos olhos e entregou-o ao homem” (p.140).
Em contos como “as araras” e “o sinal de nascença”, por exemplo, o maravilhoso intriga o leitor (e os personagens). No primeiro acompanhamos as lembranças do personagem e somos levados a um salão inesquecível cuja localização não se conhece, mas traz uma enigmática prova daquele ambiente: “[...]duas araras vermelhas que acorrentara” (p.121). Em “sinal de nascença”, uma visita a uma antiga casa grande de engenho revela que a herança da personagem não se restringiu apenas aos bens materiais de seus bisavós.
Que a literatura produzida por Gláucia lemos é merecedora de elogios dos leitores e da crítica não é novidade. Mas é sempre uma agradável  surpresa a leitura de suas obras! 


domingo, 31 de janeiro de 2016

TEIA
Presa numa teia
Construo meus sonhos de sereia:
ganhando asas,
quebrando laços,
conquistando sabores,
pintando dores.

Sobre a Teia
ergo muralhas e vendo oásis
e num sopro tudo se desfaz.

Traço planos outros,
arquiteto odisseias e sigo
como onipotente.

Ah, Ulisses!
se soubesses que para te esperar
precisei ser várias Penélopes,
juntar cacos
e seguir sem paz.

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Travessias

Do rio à margem
há uma margem terceira
(também pode ser segunda)
que se fantasia de calmaria.

Canoa, barco ou navio
são apenas máscaras
do caminho.

A terceira margem metamorfoseia
o navegante, o filho,
o rio e a plateia.

Rio  há à frente,
rio há atrás.
Mas tem dias que os rios não bastam


Só resta criar canoas, barcos e navios.